5 perguntas e respostas sobre o afretamento marítimo

  • 18/02/2020
  • 20 minutos

O afretamento marítimo é um tema que pode gerar dúvidas mesmo em profissionais já habituados a determinadas rotinas do comércio exterior. Afinal, quais são as principais dúvidas dos contratantes? Há detalhes que poderiam ser mais bem explicados? Existem confusões frequentes ligadas a esse assunto?

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A fim de responder e solucionar esses e outros questionamentos recorrentes, entrevistamos Daniel Boechat e Henrique Mello da Boechat & Santos — empresa brasileira especializada em comércio internacional. Acompanhe o conteúdo até o final para aproveitar as informações.

1. Qual o momento certo de se contratar o afretamento marítimo?

De acordo com Henrique, “o momento certo pode variar e dependerá inicialmente dos resultados das negociações entre o vendedor e o comprador”. Essas tratativas e seus termos serão definidos por meio dos Incoterms da operação que especificará a demanda para a contratação do serviço marítimo em questão.

De forma bem resumida, os Incoterms, ou Termos de Comércio Internacional, são um conjunto de normatizações pensadas para que a importação e exportação sejam mais transparentes. A versão vigente está ativa desde 2011 e foi criada pela Câmara Internacional do Comércio (CCI) — International Chamber of Commerce.

Vale lembrar que eles não representam um contrato propriamente dito — apenas servem como guias para determinar quais das partes envolvidas em uma negociação serão responsáveis por contratar serviços específicos, como agentes marítimos (shipping agent), despachantes e afins. Cabe ressaltar que pode haver inúmeros contratos na cadeia produtiva. É por isso que, em alguns casos, é interessante que os agentes intermediários conheçam os Incoterms utilizados como referência.

2. Quais são as principais dúvidas dos contratantes em relação ao afretamento marítimo?

“Fundamentalmente”, explica Daniel, “as principais dúvidas estão associadas à falta de conhecimento sobre a complexidade em torno da oferta dos serviços de transporte marítimo“. Ou seja, nem sempre os contratantes sabem quais são as alternativas mais adequadas às suas necessidades.

O treinamento de agentes, importadores, exportadores e consultores, segundo os especialistas, ainda não é suficiente para que sejam plenamente habilitados a entender como funciona o planejamento para contratação de tais serviços. Como são atores fundamentais para o processo como um todo, esse fator não contribui para o esclarecimento dos contratantes em relação a diversos aspectos.

Nesse sentido, é oportuno explicar diferenças essenciais entre algumas dessas figuras a fim de solucionar perguntas recorrentes. Agente marítimo (shipping agent) e agente de carga (freight forwarder), por exemplo, são confundidos com frequência, embora exerçam papéis bem distintos.

O agente marítimo (shipping agent) lida com donos e operadores do navio. Cabe a ele acompanhar a viagem de perto e saber como está a situação a bordo — ele é um mandatário e não um representante legal. Na prática, mandatários têm bem menos autonomia quando comparados aos representantes. Inclusive, se um mandatário extrapola as funções estabelecidas, ele pode ser punido.

O agente de cargas (freight forwarder), por sua vez, cuida justamente da carga, e não do navio, facilitando as negociações em diferentes níveis. Isso porque pode negociar em nome dos clientes, conseguindo tarifas e condições melhores.

Já o afretador (charterer) é o profissional que compreende as etapas necessárias para contratar um navio. Entre suas responsabilidades estão:

  • definir o tipo de contrato;
  • atuar na negociação;
  • reconhecer oportunidades;
  • acompanhar o mercado internacional.

3. Quais são as maiores dúvidas em relação a esse mercado?

“A complexidade do afretamento de navios e do contexto do afretamento em geral acabam causando inúmeras dúvidas. Por isso, tudo o que está envolvido na contratação e nas soluções de conflitos relacionados bem como nos direitos e nas obrigações das partes podem despertar confusões variadas”, aponta Henrique.

Para iniciar a contratação de um frete (freight) para Carga de Projeto, por exemplo, deve-se levar em conta os atores envolvidos no processo e não somente o armador (carrier) contratado — a cadeia logística e sua relevância devem ser observadas, tal qual o transporte rodoviário, as operações portuárias, os terminais alfandegários etc. Isso porque todos esses pontos podem otimizar ou prejudicar determinado planejamento logístico e impactar, inclusive, na segurança da carga, da origem até o seu destino.

4. Quais pontos em relação à tributação devem ser ressaltados?

É preciso considerar que o transporte marítimo é o principal modal na movimentação de produtos exportados e importados no Brasil. “Sua importância está ligada ao fortalecimento do setor de logística do mercado nacional e, por consequência, ao aumento da competitividade do produto nacional no comércio exterior”, explica Daniel.

Nesse cenário, os incentivos tributários ao transporte marítimo estão previstos no ordenamento jurídico brasileiro e quase sempre são desconhecidos pelos contratantes.

“Os incentivos fiscais que constam na legislação, os tributos incidentes, as deduções, as isenções e os regimes especiais de tributação que contribuem para o desenvolvimento do setor no país necessitam de qualificação básica dos contratantes — agentes, importadores e exportadores”, comenta Henrique.

Para isso, o treinamento específico, a profissionalização e a base da melhoria de desempenho nas negociações de contratação de frete marítimo (ocean freight) são fundamentais para que o mercado siga crescendo.

5. O que constitui um Contrato de Afretamento (Charter Party)?

Vamos aqui tentar dissecar e, ao mesmo tempo, resumir uma matéria bastante complexa como o Contrato de Afretamento (Charter Party). Em tempos remotos, as companhias de navegação envolviam-se em todas as operações relacionadas ao navio, incluindo a parte comercial. O armador-proprietário (ship owner) — pessoa física ou jurídica — cuidava da armação, gerenciamento de tripulação, operação técnica etc. Em alguns casos era o próprio armador-proprietário (ship owner) o comandante do navio.

Com passar dos tempos, as companhias de navegação foram gradualmente modificando essa estrutura no sentido de tornarem-se mais ágeis. O armador (carrier), enquanto considerado empresário, passou a ter funções específicas e, em muitos casos, gerenciadas por terceiros: gerenciamento financeiro; gerenciamento técnico (sobressalente, combustível, avarias etc.); gerenciamento operacional (rotinas diárias do navio, pessoal etc.), e gerenciamento comercial (emprego do navio etc.).

Convém, aqui, fazer uma breve diferenciação entre proprietário (ship owner) e armador (carrier), figuras estas que se confundem, mas são distintas no que diz respeito à responsabilidade civil. Enquanto o proprietário (ship owner) é aquele a quem o navio pertence, por estar registrado em seu nome nos órgãos competentes, o armador — carrier — (que eventualmente pode ser o mesmo proprietário) é aquele que arma o navio, ou seja, apresenta o navio colocando todo o necessário para que o navio esteja em condições de navegabilidade.

Nos países que utilizam o direito civil, como o Brasil, o termo afretamento refere-se apenas aos contratos para utilização do navio ou dos serviços do navio. Já nos países de “commom law” (e.g. Inglaterra) o uso do termo é ambíguo e é usado tanto para se referir aos contratos de utilização do navio ou dos serviços do navio quanto para os de transporte de mercadorias.

Abordaremos, aqui, tais tipos de contratos. São dois os tipos de Contrato de Afretamento (Charter Party): Contrato de Afretamento a Casco Nu (Bareboat ou Demise Charter Party) e Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party).

Contrato de Afretamento a Casco Nu (Bareboat ou Demise Charter Party)

Contratos de Afretamento a Casco Nu (bareboat ou demise charter parties) são aqueles que se caracterizam pela utilização (arrendamento) do navio, por um tempo determinado, no qual o proprietário dispõe de seu navio ao afretador a casco nu, o qual assume a posse e o controle, mediante uma retribuição — hire — pagável em intervalos determinados durante o período do contrato . É um contrato de utilização do navio.

Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party)

Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party) caracteriza-se pela utilização (arrendamento) do navio, por um tempo determinado, no qual o proprietário ou armador disponente coloca o navio completamente armado, equipado e em condição de navegabilidade, à disposição do afretador por tempo (time charterer), o qual assume a posse e o controle do mesmo (gestões náutica e comercial) mediante uma retribuição – hire – pagável em intervalos determinados durante o período do contrato. É um contrato de utilização dos serviços do navio.

Ele diferencia-se do Contrato de Afretamento a Casco Nu (Bareboat ou Demise Charter Party) nos seguintes pontos:

  • no Contrato de Afretamento a Casco Nu (Bareboat ou Demise Charter Party), o comandante e os tripulantes são empregados do afretador a casco nu, enquanto que no Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party), estes são empregados do proprietário ou do armador disponente;
  • no Contrato de Afretamento a Casco Nu (Bareboat ou Demise Charter Party), as despesas de óleo combustível, diesel, lubrificantes, água, víveres (rancho), soldadas (salários dos tripulantes) são de responsabilidade do afretador a casco nu. Já no Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party), apenas as despesas com óleo combustível, diesel, e em alguns casos lubrificantes, são de responsabilidade do afretador por tempo (time charterer);
  • no Contrato de Afretamento a Casco Nu (Bareboat ou Demise Charter Party), todas as despesas portuárias relativas ao navio e seus tripulantes são de responsabilidade do afretador a casco nu. No Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party), as despesas portuárias relativas ao navio são de responsabilidade do afretador por tempo (time charterer), permanecendo as referentes aos tripulantes de responsabilidade do proprietário ou armador disponente;
  • nos contratos de afretamento a casco nu, a recompensa por salvatagem vai para o afretador a casco nu. No Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party), a recompensa por salvatagem vai para o proprietário ou armador disponente;
  • nos Contratos de Afretamento a Casco Nu, o armador disponente não poderá colocar o navio “off hire” (fora de contrato), porque não haverá descumprimento de cláusula contratual por parte do proprietário, pois que sua única obrigação é a entrega do navio. Poderá o proprietário, no entanto, apenas colocar o navio “off hire” pelo não pagamento do “hire” (preço do afretamento). No Contrato de Afretamento por Tempo (Time Charter Party), o afretador (charterer) poderá colocar o navio “off hire” em qualquer hipótese que afete a navegabilidade ou operacionalidade do navio (deficiência de equipamento, propulsão, etc.).
  • no Contrato de Afretamento a Casco Nu (Bareboat ou Demise Charter Party), o proprietário jamais será responsabilizado por eventual avaria à carga perante o embarcador ou consignatário, poi será sempre o armador disponente o transportador.

Podemos ressaltar, ainda, as seguintes cláusulas, comuns nos Contratos de Afretamento (Charter Party): descrição do navio; período de afretamento (charter period); limites de rotas e utilização; autorização de subafretamento; entrega do navio; cláusula de cancelamento (Laycan); pagamento do “hire” (contraprestação pela utilização dos serviços do navio); “off hire” (fora de contrato); dedução (pecuniárias) do “hire”; retirada (rescisão) do navio pelo não pagamento de “hire”; emprego do navio e nomeação de agentes; assinatura de “conhecimentos de embarque”(Bill of Landing); reentrega do navio.

Finalizando este breve resumo sobre Contrato de Afretamento (Charter Party), abordaremos o Contrato de Transporte, que por definição “é aquele em que uma pessoa ou empresa obriga-se, mediante retribuição, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas animadas ou inanimadas — mercadorias”. Tem como característica jurídica principal a bilateralidade, rege-se pelos princípios comuns a todos os contratos de transporte e por algumas regras especiais.

Tipos de Contrato de Transporte

Contrato por Viagem (Voyage Charter Party): O termo “por viagem” não tem significado restritivo, quer dizer, não determina que o contrato deva ser por apenas uma viagem. O termo apenas demonstra que o contrato é de transporte de mercadorias, de acordo com a Convenção de Roma, de 1980, sobre Obrigações Contratuais. Veja:

  • geralmente, nos contratos de transporte por viagem existem duas pessoas, físicas ou jurídicas, que são o armador (carrier) e o fretador ou charteador (charterer);
  • é o armador (carrier) aquele que fornece o espaço a bordo de seu navio, enquanto que o fretador (que pode ser também o embarcador — “shipper”) é aquele que toma o espaço do navio, mediante o pagamento de uma contra partida — o frete (freight) — para o transporte de sua mercadoria;
  • nestes contratos, a responsabilidade civil do transportador é objetiva, quer dizer, é independente de culpa.

Contract of Affreightment (COA) — Contratos de Quantidades ou Tonelagem: Os “contract of affreightment” — contratos de afretamento ou contratos de quantidades ou tonelagem. Nessa forma de contrato, uma parte (armador — carrier) acorda com outra parte (afretador (charterer), na acepção estrita do termo) em transportar uma certa quantidade de carga durante um período de tempo. Os navios são nomeados, pelo armador (carrier), com certa antecedência da data de carregamento de cada embarque. Percebe-se, portanto que, enquanto uma parte é responsável por fornecer os navios para o transporte, a outra, é responsável em fornecer a mercadoria (além de pagar o frete — freight).

Viu só? É inegável que o afretamento marítimo tem suas particularidades e requer competência técnica especifica por parte de todos os envolvidos no processo.

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