Será a descentralização da gestão dos portos a solução para os problemas de administração?
- 03/03/2020
- 9 minutos
Problemas administrativos prejudicam os resultados de qualquer prática comercial. Por isso, encontrar soluções para eles tende a ser uma prioridade. Nesse sentido, a descentralização da gestão dos portos pode ser uma boa solução.
Como esse é um assunto de grande importância para quem atua na área, preparamos este conteúdo. Ao longo do texto, você entenderá quais são os desafios atuais do setor e o que pode ser feito para solucioná-los. Aproveite as informações!
O que a descentralização da gestão dos portos representa?
Para tratar desse tema, conversamos com Nilo Martins da Cunha Filho, que é engenheiro civil e sócio-proprietário da MC Consultoria & Assessoria Portuária Ltda.
De acordo com o especialista, antes de responder à questão que dá título a este tópico, é preciso relembrar o contexto em que foi promulgada a Lei nº 8.630, mais conhecida como Lei dos Portos. Afinal, “ela caracterizou um novo marco regulatório para os portos nacionais, atendendo a um grande anseio da comunidade portuária e do comércio internacional”.
A partir desse fato, iniciou-se uma nova era, com a desregulamentação e a descentralização de uma importante atividade econômica. Nilo ainda explica que, “na oportunidade, foram criados os Conselhos de Autoridade Portuária (CAPs), que tomavam as decisões sobre os portos que eram de sua competência. Os integrantes, por sua vez, faziam parte da comunidade na qual o porto em questão se localizava”.
Na época, a administração do porto tinha autonomia para conduzir diversos assuntos ligados à expansão, ao planejamento, à regulação e aos aspectos comerciais em geral. Era, portanto, o início da descentralização.
As decisões passaram a ser tomadas por representantes da sociedade civil que dependiam da atividade de determinado porto. Assim, além do desenvolvimento de ações relevantes para o fomento comercial, as negociações laborais também se tornaram locais, respeitando as especificidades de cada porto.
Nascia no Brasil, então, o conceito de port authority, por meio da adoção do modelo landlord para exploração dos portos. “Com isso, veio a privatização dos serviços de operação portuária e começaram os grandes investimentos na área, representados pelos arrendamentos de instalações existentes e pelo surgimento de vários terminais privativos”, contextualiza Nilo.
Como promover a descentralização na gestão dos portos brasileiros?
“Entretanto, em 2013, com a revogação da Lei nº 8.630 e a promulgação da Lei nº 12.815, as Administrações do Porto perderam sua autonomia, e os CAPs tornaram-se meros coadjuvantes. Veio a excessiva regulamentação na atividade, exercida por órgãos como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP)”, opina o especialista.
Mesmo com a significativa diferença entre esses marcos regulatórios, Nilo aponta que ambos têm um ponto em comum: a ingerência política nas administrações públicas e o reflexo que isso causa na atividade econômica. “Por causa disso”, diz ele, “entendo que uma verdadeira descentralização da gestão nos portos públicos brasileiros passa, necessariamente, por uma profunda alteração na regulação atual”.
“Para tanto”, formula Nilo, “as atuais Companhias Docas deveriam se transformar em Sociedades de Propósito Específico (SPEs), com participação da iniciativa privada. Também seria oportuno constituir um Conselho de Gestão com as mesmas competências do antigo CAP”, indica.
Segundo ele, uma dessas atribuições seria a de aprovar a indicação de membros para a Diretoria da Administração de cada porto. O critério seria meritocrático, e haveria avaliações anuais respeitando o plano de trabalho e as metas previamente aprovados.
Quais são os problemas atuais na gestão de portos e como resolvê-los?
Na visão do especialista, os problemas atuais na gestão dos complexos portuários brasileiros são decorrentes da influência política na composição dos cargos diretivos e de gerenciamento, além da burocracia gerada pela falta de autonomia e excesso de regulamentação.
“Para chegar a essa conclusão, basta analisarmos periódicos e revistas especializadas publicados nos últimos 20 anos — os problemas de dragagem dos portos nacionais continuam os mesmos, com pouco ou nenhum avanço”, critica.
Ele ainda diz que essa reflexão também se aplica aos outros modais, como o rodoviário e o ferroviário que permitem acesso ao porto, visto que a interação entre eles e os portos é fundamental, assim como a manutenção dos demais ativos, como pavimentação das instalações, edificações, iluminação, etc.
Por conta de todos esses pontos, Nilo aponta que a descentralização da gestão desponta como uma solução mais do que necessária. Nesse contexto, é preciso ter a devida cautela para não confundi-lo com a eventual privatização ou desestatização dos portos, visto que uma decisão não decorre da outra. “É importante termos complexos públicos, atuando como reguladores de mercado e na defesa dos pequenos e médios usuários”, ressalta o engenheiro.
Diante de tal cenário, ele acredita que a reação dos investidores seria, em sua maioria, bastante positiva, pois a insegurança jurídica gerada pelo excesso de regulamentação e trâmites burocráticos funciona como um empecilho para quem pretende investir no setor. “Muitos negócios não avançam em virtude desse engessamento, que não oferece a segurança necessária e impede a efetivação dos aportes”, explica.
O que diz a Portaria nº 530/2019?
A Portaria nº 530, publicada em agosto de 2019, trouxe alterações associadas, de certa forma, à descentralização. Em suma, entre outras modificações, ela estabeleceu alguns critérios e procedimentos a fim de prorrogar a vigência e a recomposição do reequilíbrio econômico nos contratos de arrendamento de instalações portuárias localizadas em portos organizados. Algumas das principais mudanças são:
- alteração do tipo de carga movimentada;
- unificação de contratos;
- investimento comum na área do porto organizado;
- substituição da área arrendada sem licitação prévia.
É válido destacar que os contratos de arrendamento poderão ser prorrogados a critério do poder concedente. Caberá ao arrendatário apresentar requerimento com antecedência mínima de 60 meses em relação ao encerramento da vigência. As exceções são os casos de contratos de arrendamento portuário cujo prazo de vigência ou prorrogação seja inferior a dez anos. Em situações desse tipo, será possível apresentar o requerimento com antecedência mínima de 24 meses.
Enfim, a descentralização da gestão dos portos tende a ser um bom caminho para solucionar alguns dos maiores problemas administrativos do setor. Aos poucos, essa alternativa poderá se transformar em um componente-chave para atingir resultados melhores.
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