Desinvestimentos da Petrobras: por que isso é positivo para o país?

  • 04/02/2020
  • 9 minutos

Os desinvestimentos da Petrobras estão na pauta do governo desde 2015. A partir disso, uma expressiva fatia das operações de upstream, mid/downstream e de refino vêm sendo repassadas para outras empresas.

Considerando que a Petrobras é uma estatal de economia mista, os desinvestimentos, na verdade, devem ser tomados mais como um processo de realinhamento estratégico. Para ampliar o alcance do entendimento sobre um tema tão importante, convidamos Mário Ortiz, especialista em Gestão de Suprimentos e Strategic Sourcing da Fasd Group — acompanhe o que ele tem a dizer.

O que levou aos desinvestimentos da Petrobras?

Como toda empresa gigante e com forte investimento estatal, a Petrobras, com o passar dos anos, ampliou ostensivamente seu campo de atuação. Ao longo das últimas décadas, diversas empresas subsidiárias como a Liquigás (distribuição) e Braskem (petroquímica), entre outras, dividiram as atenções e os investimentos da companhia.

Sendo assim, de acordo com Mário Ortiz, os desinvestimentos nessas áreas farão da Petrobras “uma companhia focada em exploração e produção de petróleo e gás natural em águas profundas, geograficamente concentrada nos estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo”.

Portanto, o “inchaço” no quadro de subsidiárias e nas operações que não têm ligação direta com o negócio principal da empresa é o principal motivo para a sua reestruturação. Ao passar o controle dessas empresas para terceiros, a Petrobras ganha novo fôlego para explorar as bacias de petróleo localizadas em alto-mar nos limites brasileiros.

Nesse sentido, Ortiz destaca que “a meta é colocar à venda todas as operações terrestres ou em águas rasas em outros estados, focando no core business da Petrobras, que é e sempre será o de exploração e produção”.

Deve-se considerar, ainda, que quanto maior a operação, maiores os custos. “O Plano Estratégico 2020-2024 da Petrobras prevê desinvestimentos entre US$20 bilhões e US$30 bilhões para o período, sendo a maior concentração nos anos de 2020 e 2021”, diz Ortiz.

Continue Ortiz: “entre outros ativos que devem ser alienados estão usinas termelétricas e a petroquímica Braskem. Nos últimos 5 anos, a Petrobras assinou contratos ou concluiu a venda de US$41,139 bilhões em ativos, sendo 64,5% do total no mid/downstream, 34,7% no upstream e 0,81% no segmento de açúcar e álcool.

Como esse processo afeta o mercado?

Uma megacorporação como a Petrobras não se movimenta sem provocar alterações no mercado como um todo. Afinal, segundo Mario Ortiz, “as operações englobam um total de 124 campos, localizados em 20 polos de extração. Uma parte já foi vendida e outra ainda está aguardando as aprovações regulatórias indispensáveis à alienação”.

Além dos impactos provocados no mercado financeiro e na indústria, já que a venda de subsidiárias implica a venda das ações dessas empresas, existe toda uma percepção do mercado, que reage a esse processo.

Dessa forma, há desdobramentos no setor produtivo como um todo, o qual, de acordo com Ortiz “está sendo bem receptivo em relação aos desinvestimentos e à abertura de mercado, pois nota-se claramente que os investimentos que serão e estão sendo realizados são para E&P, o core business da petroleira”.

Como exemplos desse processo, Mario destaca os desinvestimentos em fábricas de fertilizantes, campos de petróleo, refinarias e plantas de biodiesel nas regiões Nordeste, Sul e Norte. “Tivemos um total de 205 campos ou blocos exploratórios vendidos pela Petrobras nos últimos quatro anos, dos quais 145 estão localizados nas regiões Norte e Nordeste”.

Talvez uma das consequências mais diretas em termos de mercado seja a própria revalorização das ações da Petrobras por conta do aumento da sua capacidade produtiva. Só no último trimestre de 2019, o aumento registrado foi de 16,9%, chegando ao pico de 2,264 milhões de barris diários. Isso comprova a eficácia do programa de desinvestimento e é a confirmação de que o caminho a ser seguido é o foco no core business.

O que esperar da abertura para novos mercados?

Em contrapartida, setores da sociedade civil e governantes das regiões Norte e Nordeste, as mais afetadas pela retirada de investimentos, mostram-se insatisfeitos com o processo. No entanto, como atesta Mario Ortiz, não há com o que se preocupar já que “a expectativa é para que os desinvestimentos da Petrobras nas fábricas de fertilizantes, de biocombustível e no refino, somada à entrada de novos players significará investimentos e incremento da capacidade produtiva e na cadeia logística nessa importante região brasileira”

Ele complementa “a Petrobras já repassou o controle de 8 de suas 13 refinarias, continuando somente a operar nas 4 unidades localizadas na Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Dessa forma, espera diminuir em 50% sua parcela na capacidade nacional de refino de petróleo, abrindo espaço para outras empresas enquanto melhora a sua capacidade de operação, que hoje é deficitária”.

Ortiz complementa com a sua visão sobre os desinvestimentos “atualmente, uma empresa só controla 98% da capacidade de refino no Brasil. Com os desinvestimentos, vamos ter vários produtores, entre eles — e com presença relevante — a Petrobras. Será criada ainda toda uma indústria com esse processo, a de petróleo em águas rasas e planos terrestres e a de transporte e distribuição de gás natural”.

Continua: “isso tudo significa melhoria na qualidade do produto a ser ofertado para os brasileiros e no preço final em função da pluralidade de empresas interessadas nessas indústrias. O resultado esperado é a melhoria na distribuição dos serviços e produtos pelo país”.

Quais os riscos associados a esse processo?

A indústria do petróleo, incluindo a extração, refino e distribuição, por muito tempo levou regiões e cidades brasileiras a um modelo de desenvolvimento dependente da Petrobras. Um bom exemplo disso é Macaé, na região dos lagos, estado do Rio.

Outrora conhecida como a “capital do petróleo”, aos poucos ela está remodelando sua economia para voltar aos bons tempos. Essa nova fase, por sua vez, vem depois de um período de crise, no qual empresas foram fechadas e o desemprego aumentou sensivelmente.

Nesse aspecto, Ortiz destaca os impactos no mercado de trabalho, em especial no Norte e Nordeste, de onde a Petrobras, inclusive, vai retirar suas sedes: “foi oferecida a possibilidade de uma parte da força de trabalho a transferência para a sede da Petrobras no Rio, embora essa movimentação não seja extensiva a 100% deles”.

O especialista acrescenta que “uma pesquisa realizada pelo Dieese levantou a estimativa de que a venda das refinarias vai impactar a vida de 4.895 empregados. Alguns deles serão reaproveitados pelas novas empresas, mas, de acordo a FUP/Dieese, primeiro eles serão demitidos antes da recontratação”.

“De qualquer forma, é difícil mensurar os impactos em longo prazo, mas, com certeza, mudanças grandes ocorrerão e os estados devem estar preparados para o novo quadro”, continua.

Dessa forma, os desinvestimentos da Petrobras, se por um lado deverão dinamizar a economia brasileira como um todo, por outro trazem consequências de difícil previsão. Nesse caso, não há escolha: só o tempo dirá o que vai acontecer.

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