Como o tempo de espera nos portos afeta os custos da navegação?
- 26/10/2020
- 12 minutos
O tempo de espera nos portos pode mudar os rumos de uma empresa e suas mercadorias! Este é um grande desafio no Brasil. Em períodos de alta demanda, especialmente quando o Real se mostra desvalorizado no mercado internacional, a busca por produtos brasileiros cresce, e é preciso ter muito preparo. Isso porque, se o tempo for muito longo, toda a logística pode sair muito cara. É o que entenderemos com mais detalhes a seguir.
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Investimentos em infraestrutura e na capacitação profissional se mostram necessários para que o cenário passe por mudanças. Porém, elas não ocorrerão da noite para o dia, já que é necessário tempo para colocá-las em prática. A avaliação é de Terezinha de Paula e Roberto Brandão, sócios diretores da TAP Consultoria e Treinamento em Logística, que concederam uma entrevista para este artigo.
O que é tempo de espera nos portos?
O tempo de espera nos portos se refere ao período em que um navio fica na barra aguardando vaga para atracar, e que, somado ao tempo necessário para descarga ou embarque, se torna o total da estadia no porto. É o que chamamos de turnaround time. Esse tempo é variável em cada porto brasileiro e pode diferir bastante da espera necessária para embarque e desembarque de cargas.
A espera por atracação depende de vários fatores. Em alguns portos, as longas esperas são “normais” ao longo do ano, mas em outros os gargalos acabam ficando evidentes quando há uma alteração no número de navios, ou em temporada com períodos de chuvas, período de safra de um determinado commodity, e assim por diante.
Em 2020, por exemplo, com o aumento das exportações de soja e açúcar, o porto de Paranaguá, um dos maiores portos graneleiros do Brasil, foi um dos que sofreram com dias de espera na barra para atracar. Para se ter uma ideia, a espera na barra para navios programados para o Corredor de Exportação carregar soja chegou a algo em torrno de 30-40 dias no fim de outubro. E isso porque teve melhora, pois já havia chegado a quase 45 dias em alguns casos.
O maior problema do Brasil é a falta de infraestrutura portuária, que inclui não somente o porto, mas todos os demais segmentos de transporte, estradas, vias de acesso, etc., o que acaba elevando o tempo de espera nos portos, especialmente em momentos de pico de demanda por determinados produtos.
Mais investimento em infraestrutura e na capacitação profissional de quem atua no segmento, especialmente nas áreas de gestão, é essencial para evitar um tempo de espera muito grande nos portos, especialmente em momentos de pico de demanda por determinados produtos. Seguir o exemplo de países asiáticos como a China, Coreia do Sul e Malásia pode ser a saída para o Brasil se tornar mais eficiente na embarcação e reduzir os custos operacionais, defendem especialistas.
Como essa espera afeta os custos da indústria de navegação?
O custo do tempo de espera nos portos é algo a que todos devem estar atentos. Muitas vezes, empresas começam a atuar no ramo do afretamento marítimo (chartering) sem conhecer todos os detalhes que envolvem a prática e incorrem nesse tipo de erro.
“As empresas menores não conhecem, muitas vezes, as estruturas portuárias e não sabem os riscos que estão correndo. E quando a conta chega, não se pode cobrar o armador (carrier). A própria atracação do navio acaba ficando cara quando ele demora muito tempo no porto”, alerta Brandão.
A multa cobrada pela demora na embarcação (chamada de “demurrage”) tem um valor bastante significativo, que em geral fica entre US$ 10 mil e US$ 15 mil por dia. “O demurrage é baseado no preço do navio. Tem empresas que acabam quebrando por conta de valores altos dessa demora para embarcar”, salienta Terezinha.
Há outros problemas envolvidos, que podem afetar não apenas o mercado portuário, mas a economia como um todo. Muitos armadores internacionais não passam pelo Brasil, especialmente em períodos de demoras mais acentuadas, em função dos altos custos envolvidos.
Além disso, quando eles aceitam atracar no Brasil como parte de suas rotas, o custo do frete (freight) cobrado por esses profissionais aumenta bastante, justamente pela previsão de uma demora maior do que a encontrada em outros países; coisa que pode mudar, porém exige algumas iniciativas que veremos mais à frente!
Papel do clima no tempo de espera
Há certos produtos que podem sofrer em função do tempo de espera nos portos. Não são todos: os metais não ferrosos não têm grande problema com clima. Já os fertilizantes, a soja, o açúcar e outros não podem ser embarcados durante períodos de chuva, por exemplo, como explica Roberto Brandão. “Sazonalmente, a gente sabe quais são os meses das chuvas. Então, as empresas já se preparam”, pondera.
O impacto do câmbio nas exportações
Quando o Real fica muito desvalorizado em relação ao dólar, isso também traz um impacto significativo nos portos. Afinal, os produtos brasileiros se tornam mais baratos no mercado internacional, o que aumenta a demanda e, consequentemente, o ritmo de trabalho no segmento.
“Com o dólar em alta e o Real defasado em relação à moeda americana, nosso produto fica barato lá fora. E aí, conseguimos bater os EUA, mas aumentamos a exportação, o que cria um boom de carga”, detalha o sócio da TAP.
Os riscos para a segurança
Além dos custos financeiros, o tempo de espera nos portos pode oferecer riscos à segurança. “Algumas mercadorias são explosivas e a maior parte dos portos não tem estrutura para essas cargas”, comenta Brandão. O mundo viu um exemplo recente lamentável sobre algo semelhante, acontecido em Beirute, em agosto de 2020. Para Brandão, o ideal é que a carga não espere em porto algum. “Ela deve entrar e sair direto”.
Para portos que ficam muito próximos dos centros urbanos, como é o caso na capital do Líbano, há riscos de desastres que devem ser evitados por todos que atuam neste segmento. Uma observação que, provavelmente, terá grande consideração nos debates a respeito para os próximos anos.
Como reduzir esse tempo de espera?
A questão tem soluções! A redução no tempo de espera nos portos depende de investimentos em infraestrutura que permitam mais agilidade no processo como um todo. Isso, no entanto, levaria bastante tempo para ocorrer, mesmo que os recursos estivessem disponíveis de forma imediata.
No Porto de Santos, já surgiram propostas como a implantação de hidrovias, que melhorariam o cenário ao tirar do transporte rodoviário a maior parte das cargas, especialmente as de maior porte, como contêineres. A maior sincronização entre trens e navios é outra ideia.
Para Brandão, é preciso que os portos tenham mais berços, locais de armazenagem e equipamentos portuários adequados. “Estão construindo uma nova entrada para o Porto de Santos, mas é preciso que haja uma estrada de acesso”, acredita o profissional.
A união entre embarcadores e profissionais responsáveis pelas cargas é fundamental para que a reivindicação por melhorias ocorra na prática, acredita Terezinha. “Se eles se unirem, podem propor melhorias e serem ouvidos”, defende a sócia da TAP.
Essa união — que deve incluir associações que representam os empresários para atuarem junto ao poder público na sugestão de mudanças nas regras — é considerada chave pelos profissionais da área para que a situação melhore. “Os CAPs (Conselhos da Autoridade Portuária) dão voz às empresas ligadas ao porto”, finaliza Brandão.
Neste artigo, procuramos trazer um panorama a respeito de um dos grandes desafios da logística no Brasil: o tempo de espera nos portos. Com a união entre profissionais, empresas e poder público, é possível levar o cenário a uma evolução. Porém, é preciso agir desde já para que os frutos sejam colhidos no futuro, já que alterações estruturais demandam tempo e investimentos de longo prazo.
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